Santa Ceia ou Ceia do Senhor?
Pr. Valdemir José de Matos
Bíblia King James
1 – INTRODUÇÃO
Santa Ceia ou Ceia do Senhor? Pode parecer que a diferença é apenas uma questão de nomenclatura, mas como pretendo elucidar neste singelo trabalho acadêmico, as diferenças e as implicações são muito maiores do que comumente se imaginam.
Como ministros do evangelho, nós temos a obrigação de ensinar somente o que está escrito interpretando com a iluminação do Espírito Santo as Santas Escrituras e transmiti-las com sua unção ao rebanho santo a nós confiado.
Por isso que me debruço sobre este tema no desejo de contribuir para o crescimento do Reino de Deus na terra, para Glória do seu Santo Filho Jesus. Neste trabalho não tenho a tola pretensão de esgotar todo o assunto, pois as Escrituras são inesgotáveis, mas de alguma forma auxiliar os estudantes da Bíblia a se aperfeiçoarem em seus estudos sistemáticos, por isso estarei sempre à disposição para questionamentos, dúvidas e contradições desde que embasadas nas Sagradas Escrituras para meu aprendizado.
Sola Escriptura...
2 – SANTA CEIA.
1 Timóteo 4:1-5 “Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios; Pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência; Proibindo o casamento, e ordenando a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças; Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada.” (Itálico e sublinhado do autor)
Paulo estava rebatendo ensinos sobre abstinência de certos alimentos que os apóstatas estavam disseminando entre os irmãos na igreja de Éfeso. Estes versículos definem quanto à alimentação do cristão e inclui obviamente a ceia (refeição noturna) ser santificada. Assim o café, almoço ou a ceia (jantar em nossa cultura) pela Palavra e oração se tornam santos, no caso, santa ceia. Na falta da Palavra de Deus na conversão dos alimentantes e oração (ação de graças) não há santificação, pois só acontece através delas...pela Palavra..pela oração.
Outros versículos que comprovam esta diferença:
Lc 14:16 “Porém, ele lhe disse: Um certo homem fez uma grande ceia, e convidou a muitos”.
Lc 14:17 “E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: Vinde, que já tudo está preparado”.
Lc 17:8 “E não lhe diga antes: Prepara-me a ceia, e cinge-te, e serve-me até que tenha comido e bebido, e depois comerás e beberás tu?”.
Mt 23:6 “E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas”,
Jo 12:2 “Fizeram-lhe, pois, ali uma ceia e Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele”. Com certeza esta era uma Santa Ceia.
1 Co 11:21 “Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia; e assim um tem fome e outro embriaga-se”. (Itálico do autor) Aqui fica evidente a diferença em que a ceia nem é santa, mesmo sendo uma reunião entre irmãos pela falta de amor criticada por Paulo. Não é Ceia do Senhor, é dele.
A Bíblia de Estudo de Genebra em seu comentário a esta passagem define:
A preocupação de Paulo, quanto a este ponto, não era com a embriaguez em si, mas com a humilhação sofrida pelos pobres. A ceia do senhor simbolizava, entre outras coisas, a unidade do povo de Deus (10.17). Aqueles crentes de Corinto que eram mais abastados, segundo tudo indica, não compartilhavam com os menos afortunados dentre eles quando a Ceia do Senhor era celebrada. Esse comportamento egoísta contradizia abertamente o sentido da cerimônia. (BÍBLIA, 1999. p. 1359).
Mc 6:21 “E, chegando uma ocasião favorável em que Herodes, no dia dos seus anos, dava uma ceia aos grandes, e tribunos, e príncipes da Galiléia,” Obviamente que esta ceia não era santa, e nem poderia ser por causa da promiscuidade, mundanismo que os governadores romanos viviam. Incrédulos!
Em uma abordagem mais profunda sobre o equívoco de atribuir o partir o pão de At 2.42 à Ceia do Senhor David H. Stern em seu Comentário Judaico do Novo Testamento:
O partir do pão. Muitos cristãos supõem que isso se refere a “tomar a ceia” e têm a ideia de crentes primitivos encontrando-se nas casas.(46) para comer um pequeno pedaço de pão e beber uma porção simbólica de vinho ou suco de uva, assim como os cristãos de hoje fazem nas igrejas.. No entanto, o contexto não é do cristianismo do século XXI, mas do judaísmo do primeiro século. Para os judeus daquela época e para os de hoje, a comunhão é mediada por refeições. Dizer que os judeus messiânicos partiam o pão é afirmar nada mais, nada menos que eles faziam as refeições juntos. È preciso captar o significado de comer junto tem. Antes de mais nada quando é possível, os judeus religiosos começam a refeição com pão e recitam o b’rakhah ( citado em 27:35 &N, e veja Mt 9:8N). Então tiram um pedaço do pão e o comem, para que a benção de Deus, específica para a provisão do pão para comer, não tenha sido recitada em vão.[...] Mas a comunhão não deveria ser uma mera socialização que não leva Deus em consideração.Considere este trecho do Mishna:
“O rabino El’azar bem- ‘Azaryah [séculos I e II E.C] disse: ‘... se não houver refeição não há [estudo da] Torá, e se não houver [estudo da] Torá não há refeição”(. Avot 3:17). (STERN, 2008, p. 256).
Esta confusão entre os termos apresentados nas Escrituras deve ser desfeita através do exame separado entre eles e buscar nas línguas originais o real sentido que o escritor sagrado quis ensinar. Outro texto que pode ser entendido à luz da explicação acima e transcrito do original grego é: At 20.7
Ἐν δὲ τῇ ιᾷ τῶν σαββάτων συνηγ ένων ἡ ῶν κλάσαι ἄ τον ὁ Παῦλος διελέγετο αὐτοῖς
“E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e prolongou a prática até à meia-noite”. (Itálico do autor)
Durante muito tempo acreditaram serem estes versículos referentes à Ceia do Senhor o que não é, pois não há nenhuma referência a ela e iria contradizer o ensino de a que Ceia do Senhor deve ser comemorada na Páscoa que acontece uma vez por ano e não semanalmente como dá a entender o texto em uma leitura superficial, pois diz: “No primeiro dia da semana ιᾷ τῶν σαββάτων” ou seja, no domingo( itálico do autor)
3 - ARGUMENTO ÓBVIO.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,
Óbvio: 1 Aquilo que é manifestamente evidente. 2 Que salta à vista. 3 Que não pode ser questionado ou discutido. 4 Que pode ser captado intuitivamente. 5 Não raro. 6 Que se conhece ou espera previamente. 7 Que salta à vista. 8 Que não pode ser questionado ou discutido. 9 Que pode ser captado intuitivamente. 10 Não raro. 11 Que se conhece ou espera previamente. (FERREIRA, 1975,p. 989)
Fiz menção do termo ‘óbvio’ por considerar a sua definição essencial para compreensão daquilo que defendo neste estudo.
Tradução Almeida Revista e Corrigida I Cor11.20 “De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a Ceia do Senhor”. (Itálico do autor)
Nova Tradução na Linguagem de Hoje I Cor 11.20 “Quando vocês se reúnem, não é a Ceia do Senhor que vocês comem”. (Itálico do autor)
Tradução Almeida Revista e Atualizada I Cor 11.20 “Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis”. (Itálico do autor)
Tradução Nova Versão Internacional I Cor 11.20 “Quando vocês se reúnem, não para comer a ceia do Senhor”,.. (Itálico do autor)
Tradução A Bíblia de Jerusalém I Cor 11.20 “Quando vocês se reúnem, não é para comer a ceia do Senhor,” (Itálico do autor)
Tradução Reina Valera 1960 I Cor 11:20 Cuando, pues, os reunís vosotros, esto no es comer la cena del Señor(Itálico do autor)
Tradução Corrigida e Revisada, Fiel I Cor 11.20 “De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é pra comer a ceia do Senhor”. (Itálico do autor).
4 – [...] DO SENHOR.
Como vimos, por ser do Senhor e não nossa ceia, algumas exigências, ou recomendações se tornam esclarecidas à luz deste entendimento.
Em primeiro lugar quem disponibiliza, prepara a ceia é o Senhor.
I Cor 11.24a “E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo...” vrs 25 “Este cálice é a nova aliança no meu sangue “ vrs 26 “..anunciais a morte do Senhor..” vrs 27 Cálice do Senhor...” (Itálico do autor) Fica evidente que se é do Senhor, somente Ele pode convidar quem quiser para participar da sua Ceia. Os critérios são dele e não existe na igreja ninguém com autoridade para mudar, ou acrescentar seja lá o que for do que já está estabelecido. Herman Ridderbos em A teologia do Apóstolo Paulo esclarece esta intimidade Dele/ Nele:
[..] Cristo não aparece na Ceia como o sacerdote que oferece seu sacrifício a Deus, mas sim como Anfitrião que entrega ao seu povo o sacrifício que viria a oferecer ou que ofereceu por eles.[..] A participação na refeição sacrificial não é uma participação ativa no ato sacrificial, mas, sim a apropriação que ocorre por meio da refeição do ato sacrificial, ao comer e beber da victima (aquilo que foi sacrificado). (RIDDERBOS, 2004,p. 467).
A igreja participa do corpo e do sangue de Jesus, a vítima.
Em segundo lugar só ele pode convidar e julgar os participantes da sua Ceia.
Lc 21.11 “E direis ao pai de família da casa: O Mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos?”.
Jo 5.22 “E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo;”
I Co 11.32 “Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo”.
I Co 11.27-28-29 “Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor”. (Itálico do autor)
Este examinar-se exclui obviamente qualquer opinião externa quanto ao dever/poder participar da Ceia do Senhor, porque a única exigência é de foro íntimo e pessoal também: “...não discernindo..”. A não ser que o discernir possa ser introjetado no espírito humano por outras pessoas, nenhum líder pode ensinar o discernimento que só o Espírito Santo concede àqueles que são espirituais.
Paulo resume: I Cor 2.15 “Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido”.(Itálico do autor) Jo 3.16 Jesus disse: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito”.(Itálico do autor) Sendo assim as exigências sobre quem pode ou não participar da Ceia do Senhor que nós observamos hoje nas igrejas evangélicas são em grande medida verdadeiros absurdos. Como só pode participar quem pagou (isto mesmo pagar) o dízimo, ou não poder participar se fustigou o filho com a vara corrigindo-o, se discutiu com a esposa ou qualquer outra pessoa entre outras mais estranhas ainda, até mesmo se manteve relações sexuais lícitas(no matrimônio) no dia etc ... Os 4.6a “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento;” (Itálico do autor). O povo de Deus peca por não conhecer as Escrituras e ordenar a igreja segundo suas pretensões humanas.
5 - DISCERNIR O QUE? COMO?
[..] O pão e o cálice como comunhão no corpo e no sangue de Cristo, são, portanto, não um meio de salvação no sentido de que efetuam a presença de Cristo, mas justamente o contrário, a presença de Cristo como Senhor de sua mesa, efetua por meio do pão e do vinho, a comunhão em seu corpo e sangue, a participação em seu sacrifício.”Comunhão no corpo e no sangue de Cristo” não significa outra coisa , portanto, senão a participação de seu povo da morte de Cristo.No entanto, pelo fato de essa comunhão realizar-se ao redor da mesa do Senhor, a Ceia não é apenas uma relação com o que outrora ocorreu e foi realizado em favor da igreja na cruz, mas também é o entrar em comunhão com o Senhor vivo. ( RIDDERBOS, 2004,p.469).
Ao entender, discernir pela fé esta maravilhosa e santa relação entre a Ceia do Senhor e sua amada igreja, o Espírito Santo nos capacita por meio da graça, por fé a participar dignamente de Sua mesa, comunhão eterna.
A Ceia do Senhor vincula-se inseparavelmente ao sacrifício de Cristo. No entanto este não depende da ação humana, mas sim da de Cristo. Cristo torna definitivo o sacrifício da cruz em sua eterna validade e efetividade. O que é perfeito, o que aconteceu uma vez, torna-se presente. A presença efetiva do sacrifício vincula-se inseparavelmente à presença do Senhor vivo. Sua presença real e seu sacrifício vão juntos. Mas o Senhor vivo não pode estar presente sem tornar concreto o sacrifício em sua completa efetividade. Assim como naquela noite Cristo incluiu seus primeiros discípulos no sacrifício expiatório do amor, a ser em breve consumando, assim , também, no oficio da comunhão. Ele inclui os seus discípulos de todas as eras no mesmo sacrifício agora consumado. Naquela noite ao dar o pão e o vinho aos discípulos, com as palavras “ isto é o meu corpo, isto é o meu sangue”, Cristo fê-los participantes da reconciliação que haveria de ser efetuada mediante o seu sacrifício na cruz. Da mesma forma mediante o pão, o vinho e as palavras “dado e derramado por vós”, Ele torna seus discípulos em cada geração participantes de sua expiação eternamente válida.[..] Depreende-se que a importância da Ceia do Senhor para a fé cristã depende totalmente da presença real de Cristo. (AULÉN,1965, p. 333).
Pela fé o cristão participa das consequências da morte de Jesus, ou seja, comer a carne e beber o sangue. Participa das dádivas também, Ele nos substituiu expiando os nossos pecados também por fé. Evidencia que a presença de Cristo na Ceia do Senhor é real não como acreditam o Catolicismo Romano na Transubstanciação onde o sacerdote católico ao dar graças, transforma a hóstia ‘naquele’ corpo e sangue de Cristo que foi morto, por isso o significado de “Missa” é “repetir o sacrifício”. Mas sim por fé que acontece no íntimo de cada crente servindo de juiz se deve ou não participar sob pena de condenação por não entender pela mesma fé o seu real significado.
Hb 11.1 “ Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem”.
Hb 11.6 “De fato sem fé é impossível agradar a Deus,...” (Itálico do autor).
Rm 14.23 “Mas aquele que tem dúvidas é condenado se comer, porque o que faz não provém de fé e tudo o que não provém de fé é pecado”. (Itálico do autor). Mesmo em relação aos alimentos normais por causa da fraqueza de fé entre os irmãos Deus exige que seja consumido por fé, quanto mais em relação à Ceia do Senhor.
Ef 4.5 “ ...uma só fé...”. ( Itálico do autor) E como a fé vem por ouvir a Palavra de Deus(Rm 10.17), a nossa responsabilidade de ensinar o significado da Ceia do Senhor para que todos venham a entender pela fé, é um desafio pra que busquemos na fonte para que não venhamos a prestar contas ao Senhor.
6 – CONCLUSÃO
Santa ceia é o jantar que o cristão salvo (...pela Palavra...) e (...oração...) participa. Não somente o jantar pode ser santificado pelo cristão, mas todo alimento que consome, pois são dádivas de Deus e desta forma há o reconhecimento de ser abençoado. Pode assim convidar quem quiser e servir o que quiser/puder, bem como o ambiente. Os critérios são particulares a cada um.
A palavra Santa Ceia simplesmente não existe nas melhores e mais populares traduções das Escrituras como apresentei antes, e isto a meu ver por si só já deveria fazer-nos refletir melhor antes de chancelarmos um ensino.
Ceia do Senhor é o memorial ordenado, estabelecido à Igreja (só a igreja), não é convite, mas sim ordenança perpétua. Os itens forma estabelecidos pelo Senhor da Ceia, sendo assim imutáveis, não provisionados por ninguém.. Não é o cristão que a santifica, mas sim a presença de Cristo real e entendida assim por fé, no entendimento de que participamos de sua morte física ( carne e sangue ) e participamos das bênçãos advindas de seu sacrifício por nós, tanto nesta vida quanto na futura.
O ensino é claro a Ceia do Senhor não é Santa ceia como interpreta a maioria das confissões evangélicas.. Esta diferença deve ser ensinada, pois somente assim a Igreja será digna de participar....
De seu eterno aprendiz Senhor Jesus...Valdemir.
BIBLIOGRAFIA
AULÉN.G. A fé Cristã. São Paulo. Aste.1965. Tradução de Dirson Glênio Vergara dos Santos
BÍBLIA. Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo. Cultura Cristã. 2009.
GOMES.S.P. e OLIVETTI O. Novo testamento interlinear, analítico grego-português. São Paulo: Cultura Cristã.2008
RIDDERBOS.H. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. São Paulo: Editora Cultura Cristã,2004. Tradução de Suzana Klassen.
STERN,D.H. Comentário Judaico do Novo Testamento. São Paulo: Didática
Paulista. Belo Horizonte: Editora Atos. 2008.